A graça de ser mulher

Vez por outra, me vem à mente um pensamento: Se eu fosse homem, seria assim... ou assim...!

Que mulher nunca imaginou isso? Não por estar insatisfeita com sua vida, mas pelo simples fato de se imaginar numa perspectiva diferente. Não nego que acho engraçado pensar isso, e acho inclusive que renderia um belo post. Imaginar sim, mas chegar a realmente desejar isso, já acho uma grande bobagem.

Ser mulher tem inúmeras vantagens, além da maternidade, da quantidade de informações que conseguimos processar simultaneamente, e da resistência a dores (físicas e emocionais): numa sociedade tão machista e preconceituosa, podemos nos dar ao luxo de expressar nossos sentimentos com mais espontaneidade, sem medo dos estereótipos. Não falo de firulas e frescuras que se atribuem às "mulherzinhas" (olha o estereótipo), mas de sensibilidade e feminilidade latente. Aquela coisa meio sensorial que emana de nós. Nossa, fui longe agora!!

Não entendeu porque isso é realmente vantajoso no mundo dos resultados concretos? Bem, vejamos um exemplo:

A algum tempo assisti Miss Potter, um filme delicioso, que me emocionou não só por paisagens lindas e um romance, mas pela história real de Beatrix Potter, uma mulher especial, por quem eu me sentiria orgulhosa de imitar, caso tivesse o mesmo dom.

Beatrix nasceu em meados do século XIX, numa família da alta burguesia inglesa. Naquela época, e naquela sociedade, as convenções sociais eram ainda mais rígidas, e era esperado que as moças ricas se dedicassem exclusivamente ao casamento e aos filhos. Aos homens era esperado que, no mínimo, mantivessem seu padrão social e o conforto da família, e que não vacilassem quanto ao seu papel de provedor. O mundo respirava os ares da industrialização. Crescer era preciso, e não havia tempo a se perder.

Enquanto seu irmão era incentivado a cultivar hábitos típicos dos garotos da época (como emoldurar insetos e brincar de banco imobiliário), e que fatalmente o treinavam para ser um "homem", a pequena Miss Potter estava liberada para exercitar seus dons artísticos, porque dificilmente isso atrapalharia seu futuro como mãe e dona de casa. O passatempo preferido da pequena Miss Potter era desenhar animais e paisagens campestres, e criar enredos para suas histórias de uma maneira completamente diferente dos padrões da época. Coelhos, patos e sapos vestidos como pequenos cavalheiros e damas da sociedade, vivendo situações corriqueiras, mas com uma boa dose de fantasia e poesia no ar.


Já moça, Beatrix, embora bem-educada, não se sentia obrigada a satisfazer os anseios dos pais. Negou todos os pretendentes sem remorso, e dedicou-se à arte das gravuras com paixão. O que, a princípio, parecia aos seus pais uma simples distração de uma solteirona que ainda mantinha os hábitos da infância, tornou-se o diferencial de Beatrix quando resolveu publicar suas histórias. Hoje, isso pode parecer muito comum, mas para a época era uma revolução na literatura infantil, e como era de se esperar, os livros de Beatrix Potter tornaram-se sucessos editoriais.

Naquela sociedade recém-industrializada, com os valores do capitalismo e do racionalismo a toda força, expressar sensibilidade e criatividade de uma maneira tão inovadora só poderia ser atribuído a alguém guiado por seus próprios instintos, e não por modismos ou tendências em voga, até porque esta forma de expressão não condizia com os modismos e tendências da época.

A arte de Miss Potter era a expressão da sua feminilidade, que a fez enxergar beleza e lirismo onde outros enxergavam só fauna e flora brutas. As gravuras de Miss Potter eram pura magia para os corações das crianças e adultos. Magia essa que encanta até hoje.

O que quero dizer é que a indiferença machista aos dons "tipicamente femininos" permitiu que Beatrix expressasse seus sentimentos livremente, sem se preocupar com a opinião dos outros. Logo, ser mulher também é vantajoso porque podemos nos expressar como realmente somos, se assim desejarmos, e por enxergarmos com mais facilidade aquilo que precisa de olhos sensíveis para ser visto.

Mais tarde, Miss Potter também se tornou uma das primeiras pessoas na Inglaterra a defender os recursos naturais e as belas paisagens do seu país, em detrimento ao crescimento industrial desenfreado. Mais uma vez sua sensibilidade e seu instinto protetor a ajudaram a perceber o que a ganância conseguiu esconder dos olhos dos homens. Instinto esse não apenas humano, mas principalmente feminino.

2 comentários:

Nivix disse...

Esse filme é bem legal!
Lembrei-me agora de outro filme, "Amor e Inocência", que conta a história de um suposto/talvez/provável rolo entre Jane Austen e Thomas Lefroy qdo eram jovens. No filme, o cara sempre tenta mostrar pra ela como ser homem é mais divertido e interessante do que escrever histórias "água com açúcar". No fim a gente percebe que ele era até mais prisioneiro da sociedade do que ela, já q teve que casar com outra e virar juiz. Já ela, virou Jane Austen! Dizem q ele foi a inspiração para o sr. Darcy.

Anônimo disse...

Tem um vídeo muito interessante, mostrando "O Mundo de Beatrix Potter". Vale a pena conferir:

http://www.youtube.com/watch?v=AlZrGRH9Gq8

Obrigada pelo texto. Ficou muito gostoso de ler.