A felicidade que não se alcança

Marla, Marla.... às vezes acho que ela bisbilhota minhas conversas e até meus pensamentos. Ou será que sou eu que estou bisbilhotando os dela?
Fico tão feliz quando leio os sentimentos que Marla textualiza. Felizmente, plagiar sentimentos não é um problema (espero... pelo menos), porque estou imitando Marla descaradamente.

Depois de um período especialmente difícil em minha vida, onde vivi simultaneamente uma infinidade de sentimentos bons e ruins, por diversos motivos, me deparei com uma verdade absurda: aquilo que eu estava vivendo não era algo excepcional a ponto de me impedir de ser feliz.

Eu até queria estar feliz, mas me sentia na obrigação de lamentar o que não deu certo. Ainda sinto falta de algumas pessoas, ainda desejo viver determinadas circunstâncias, ainda quero superar fatos marcantes, mas isso não me impede de sentir-me feliz. Aliás, desde que me dei conta disso, tenho sorrido muito mais. Parece que me livrei da obrigação de correr atrás de um estado ideal de felicidade, porque esse estado não existe.
E justamente por isso sinto como se estivesse vivendo esse momento, agora e em todo lugar. Às vezes eu também acordo meio borocochô, mas isso me incomoda menos, porque sei que não preciso correr atrás de um estado que naturalmente vem até mim, se eu não afastá-lo.

A felicidade não precisa ser alcançada, só precisa ser aceita.



"Caro Leitor,

Tenho estado muito ausente das palavras, não elas de mim. Apesar de ter materializado poucos textos, minha cabeça não pára de tecer metáforas e escrever cartas e descrever paisagens.

Leitor, eu tenho sentido a felicidade da forma como eu nunca havia idealizado. Percebo que após tantas perdas, havia me tornado pouco exigente com algumas coisas. E a vida, sábia, não querendo que a minha fé diminuísse me deu coisas tão maiores e melhores do que eu esperava.

Leitor, eu descobri algo muito difícil de compreender: a felicidade não tira o medo nem a melancolia de ninguém.

O medo é uma necessidade de autopreservação e a melancolia pode ser a coisa que mais desenhe lirismo num olhar. Descobri que a felicidade é um estado de espírito e me incomodou a descoberta. Deveria ser confortador, mas isto me dá uma responsabilidade grande demais. Porque eu pensava que seria feliz quando tivesse um grande amor, um bom emprego, ótimos amigos (sempre os tive) e a espiritualidade encaminhada. E hoje eu tenho tudo e, ainda assim, às vezes me vejo melancólica. E nada me impede de acordar de mau-humor ou solitária demais.
Porque eu perdi a possibilidade de ter sempre um réu, algo que me tirasse o peso da responsabilidade.

Leitor, também descobri que a plenitude dos monges é possível para nós mortais! Isso me apavorou um pouco, porque busquei demais na meditação e encontrei a plenitude na correria do dia-a-dia, no trabalho, no corpo de um poema. Leitor, a felicidade também não nos tira os pesadelos nem planta um sorriso eterno no nosso rosto. Ela vem na superação de um desafio, em forma de alívio. Mesmo estando muito feliz é possível acordar muito assustado. Eu imaginava a felicidade como uma magia que tomasse conta dos meus dias, meio à minha revelia. Mas ela não se move, ela respeita meu livre arbítrio e a minha vontade de me sentir infeliz apesar de.

O que me deixou mais aflita, leitor, foi descobrir que a felicidade nem se perde. Ela está à disposição de qualquer um que queira vibrar neste estado. A gente é que se afasta dela. Se a gente se apega ao sofrimento, às sobras, às incompletudes e às reclamações, como é possível simplesmente estar feliz e agradecer? Acho que ser feliz dá muito trabalho porque você tem que se desvencilhar da tristeza. E o abandono produz ótimas reflexões, o relacionamento falido produz mais metáforas, a falta de algo importante dá uma sensação de que injusta é a vida e que você é só vítima de um destino que não está te ajudando a ser feliz. Mas quando tudo lhe é dado assim, como um mar que se oferece pro seu mergulho, ou uma chuva que poderia fertilizar tua alma, se é o sol que faz falta, ou a sombra que te acolherá, que sentido tem a felicidade se oferecer pra mudar o teu rumo, teu humor, teus assuntos?

A felicidade deixa a gente sem assunto. A felicidade é muito mais interessante quando ela é difícil de obter.

Leitor, perceber que a distância entre qualquer um e a felicidade é uma quilometragem inventada me deixou pasma. Porque se ela sempre esteve ali, por que só consegui senti-la profundamente agora?
Porque eu precisava entender que nada me faltava, eu sempre tive o suficiente de acordo com as minhas escolhas. Hoje, o que tenho é fruto da mesma coisa.
Leitor, a felicidade talvez seja só uma escolha... e isso nos compromete demais."

Marla de Queiroz

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