A (minha) arte de cozinhar

De onde venho, é comum as meninas aprendem a cozinhar desde cedo. Meninas ajudam a mãe a lavar louça, arrumar a casa e a cuidar dos irmãos mais novos. Eu até que fazia isso, mas a cozinha, realmente, não me interessava. Acho que minha mãe não fazia questão que eu aprendesse ou porque não era necessário, ou porque ela tinha medo do resultado. Eu não me interressei por pura preguiça, e por não ver graça naquela tarefa de cortar legumes e provar temperos. Mas de todos os empecilhos que criei, o que mais me afastava do fogão era os temperos: a proporção, a variedade, e o poder de mudar o sabor, o odor e a aparência da comida me pareciam complexos demais. Ou era uma tarefa muito mecânica, e isso eu detesto, ou era muito mística, e isso eu até gosto, mas só nos livros e no cinema.

Depois eu passei a ver a tarefa de cozinhar como uma questão de independência. Controlar seus horários, e principalmente o tipo de comida que você quer comer, ou deseja que os outros comam, parecia muito agradável. Mas os temperos ainda me assustavam.

Então o casamento se aproximou. Nunca fui pressionada a cozinhar. Na verdade sempre ficou implícito que eu seria uma mulher independente, moderna, arrojada, batalhadora, e inútil para as coisas do lar.
Então eu resolvi experimentar, por pura curiosidade, já que não tinha nada a perder. No máximo eu perderia uma feira e um botijão de gás. Com sorte eu não perderia a vida com uma explosão na cozinha.

E aí, a surpresa! Manusear os temperos se mostrou uma tarefa deliciosa. Não é mecânica, mas é ordenada e precisa. Não é mística, mas é envolvente e cheia de segredos. É praticamente uma ciência exata, mas com lirismo, como a matemática. Coisa de doido mesmo. Não acredito que passei tanto tempo me privando desse prazer.

Vander também adora essa minha vocação tardia. E diz que ainda bem que foi tardia, senão meus irmãos não teriam me deixado ir embora.

Mas claro que estou falando de culinária básica. Do tipo feijão com arroz, literalmente. Tenho plena consciência das minhas limitações atuais. Mas que também fique claro que são atuais, e não eternas.

Esse meu encantamento pelo que, para alguns, parece tão simples e sem graça, vem da maneira como o tenho curtido. É como desenhar ou esculpir, e depois avaliar uma ou outra pincelada do seu trabalho, não propriamente se vangloriando, mas saboreando o resultado final. E parece mais saboroso pelo fato de ter saído de suas mãos, porque traz consigo o tempero do trabalho finalizado.

Mas o tempero mais saboroso e eficaz é sempre o mesmo: o prazer de viver. Esse, por sinal, também ajuda a lavar a louça com mais disposição.

(copiado do antigo blog, escrito 26 de setembro de 2006 14:04)

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