Lembranças

Ah o tempo, sempre ele, a brincar de cabra-cega com nossas lembranças!

Nessa última sexta eu estava em casa, completamente alheia ao mundo a minha volta, e me lembrei de que naquele dia completavam-se 10 anos que Regina se foi.

Quem foi Regina?
Uma prima muito querida, que marcou minha vida antes de sair do interior. Regina era exatamente 10 anos mais velha que eu, mas era com ela e sua turma que eu me sentia à vontade. Era ao seu lado que eu me divertia, curtia música, leitura e jogava papo para o ar. Porque uma menina se sente tão à vontade numa turma de jovens mais velhos metidos a intelectuais? Justamente porque eles eram jovens mais velhos metidos a intelectuais. Parecia que, a qualquer momento, eles iriam descobrir o sentido da vida, e eu precisava estar lá. E era Regina quem mais me passava aquela energia boa. Ela era uma espécie de irmã mais velha, que eu adorava, e queria imitar.

E eu sei que não era a única pessoa encantada com a aura de Regina. Todos gostavam de bater papo com aquela moça estilosa e discretíssima, que gostava de MPB e tapeçaria, de ler gibis antes do almoço e livros antes de dormir, que só cozinhava por diversão e tomava sol no quintal de casa, que escovava só a franjinha e gostava de colete e suspensório, e que tinha uma risada gostosa, daquelas que nos fazem rir junto, sem saber o porquê.

Quando alguns concluíam que Regina era erudita, ela discordava e mostrava que gostava mesmo do popular. Quando alguns concluíam que Regina era eclética, ela complementava que só para o que ela considerava bom. E o que era bom para ela podia não ser bom pra os outros, então ninguém precisava acompanhá-la. Aliás, ela não gostava do que fazia sucesso de cara. Preferia aquilo que ninguém percebeu ainda, porque as coisas mais inteligentes exigem sutileza.

As pessoas ficavam fascinadas com aquele maneira leve de levar a vida, aquela rebeldia disfarçada de candura. Parecia que mesmo os mais velhos tinham algo a aprender com ela. Nada de frases prontas ou busca da verdade. A ordem era curtir a vida do jeito que você se sentia feliz, mas sem se sentir pressionado.

Quanto a mim, acho que Regina também me tinha como uma espécie de irmã mais nova. Ela me repreendia quando achava necessário, e me dava conselhos como se quisesse me preparar pra vida.

- Pá, todo lugar é importante pra alguém.
- Pá, um dia você vai precisar impor sua vontade a seus pais. Não tenha medo.
- Pá, por que você não solta o cabelo? Você ficaria mais bonita assim.
- Pá, presta atenção na letra da música e depois me fala o que você entendeu.
- Pá, nem tudo o que te disserem é pra ser levado a sério.

Então Regina se foi, e acho que mesmo os que não a conheciam de perto sentiram o quanto a nossa dor era grande. Naquele dia várias pessoas, entre amigos, parentes, namorado, conhecidos e quase desconhecidos, se reuniram na sua casa e começaram todos a relembrar momentos agradáveis ao seu lado. Em pouco tempo havia uma estranha energia no ar. Parecia até que nos divertíamos relembrando aqueles momentos. Mas ninguém se sentiu ofendido, porque aquela era a energia de Regina. Era nossa forma de homenageá-la.

Imediatamente depois de relembrar tudo isso, a TV anunciou o especial de Caetano Veloso no Som Brasil. Como já disse antes, Caetano é a cara dela. De fato, aquela coincidência me pareceu uma homenagem da vida pra Regina.

Quando as Chicas cantaram "O Quereres" e "Divino Maravilhoso" eu fiquei imaginando o que ela diria. Quando Jauperi cantou "Milagres do Povo", eu chorei e ri ao mesmo tempo. Que dor, e que alegria! Que vontade de voltar no tempo, e que vontade de viver.

Chicas - Divino Maravilhoso


Chicas - O Quereres


Jauperi - Milagres do Povo

2 comentários:

Anônimo disse...

Patrícia,

Chego a ficar emocionada com seus posts. Eu também tive uma prima que era um modelo prá mim, seu nome era Maria Eunice e eu costumava chamá-la Maria Tunice. Ela não se foi, como a sua Regina. Mas se foi da minha vida, casou e sumiu. Senti uma saudade enorme. E este não é o único post através do qual me vejo também. A cada leitura descubro a pessoa sensível que você é. Beijos

Anônimo disse...

Muito lindo o jeito que você escreve, menina! Muito bonito o post =)

Beijos,

Nivia