A saga de uma cearense que voa

Eis que peço uma mala emprestada para minha viagem de férias na Europa, e quis o destino que entre tantas que me foram oferecidas, a mala rosa de uma conterrânea cearense fosse a única cujas dimensões eram adequadas para minha viagem.

Tudo bem - pensei - compro outra durante a viagem.

Tudo bem vírgula, porque eu me sentia uma menina gigante carregando aquela mala, enquanto meus colegas, sóbrios, elegantes, discretos, seguiam sem despertar olhares enviesados dos europeus. Os europeus são implacáveis com aqueles olhares reprovadores, julgando a sua deselegância. E eu me sentia totalmente inadequada com aquela mala rosa, e sem laço de fita na cabeça.

Tudo bem - pensei novamente - pelo menos a mala se destaca no desembarque.

Finalmente, no fim da viagem, sigo para comprar uma mala. E encontrei a mala ideal para minhas necessidades, com o preço dentro do meu orçamento, mas quis destino que a loja tivesse apenas uma unidade desse modelo, e justo rosa. Não era a cor que eu queria, mas a mala era resistente, com ótimas divisões, e o preço justo, ....

Tudo bem - eu penso demais como Poliana - pelo menos meus irmãos não vão querer tomar a mala de mim.

Chego de viagem a Recife, e logo em seguida embarco novamente, agora para o sertão. Seria meu primeiro vôo para Juazeiro do Norte. Viajar para o Ceará me dá a mesma sensação de viajar para outro mundo, com regras sociais distintas, personalidades impensáveis para os padrões da humanidade e muito mais. Primeiro pense numa fila de cabeças chatas no portão de embarque, falando "ei macho" e "djabo é isso". Agora pense na moça da empresa aérea informando que o embarque preferencial será feito primeiro, e todo mundo correndo pra o portão de embarque ao mesmo tempo. Uma doidinha dizendo "Marminino, eu tenho preferência, que eu tô cheia de sacolas". Pense!!

Eu sento e espero o estouro de boiada passar. Eu sei que eu também tinha preferência, afinal eu sou filha de Dadá Ferreira, mas minha educação européia recém-adquirida me impede disso.

Embarcada e decolada, na janela pra poder ver o sertão de cima, o comandante avisa:
- Dentro de quarenta minutos pousaremos na cidade maravilhosa de Juazeiro do Norte.
- Ô delícia - penso eu - tomara que dê pra ver o Padre Cícero Redentor.

E logo começa o procedimento de pouso. Estranho, eu só vejo roças, e a estátua do padre Cícero não apareceu. E tome roça, e o chão chegando, e mais roça, agora uma roça queimada de broca, e a pista de pouso. Fizeram uma broca no terreno do aeroporto!!!! Será que vão plantar milho? Ainda bem que não tinha um jumento pastando.

Pronto, agora vamos ao desembarque. Como era de se esperar, várias pessoas levantam-se antes que o avião termine o taxiamento, e o comandante avisa:
- Passageiros, continuem com os cintos afivelados. Quem estiver sentado... continue sentado.
- E quem já tá em pé, faz o que? - grita um cearense, claro.

Quando desço do avião, a cena arrebatadora: o aeroporto é pequeno, como era de se esperar, mas eu não imaginava que tanta gente ficasse pendurada na cerca olhando os aviões pousarem. Tinha homem, menino, velho, mulher buchuda, cachorro, cavalo amarrado na cerca... Talvez seja o hábito das vaquejadas. Sei lá, só sei que todo aquele glamour aéreo (maifresca!) finalmente sumiu.
Eu quis muito tirar a câmera da bolsa e fotografar aquela matutisse, mas o maior medo do preconceituoso é ser acusado dos mesmos defeitos dos outros. É que fotografar desembarque de avião seria matutisse demais, e eu tenho uma reputação européia a zelar.

E sigo para a sala de coleta de bagagens, pensando que pelo menos minha mala rosa seria identificada rapidamente, e tenho o segundo arrebatamento do dia: uma infinidade de malas rosas!!!!!
É inacreditável! Todas as cearenses usam malas rosas!!! E eu me controlando pra não fotografar aquilo. É que fotografar coleta de bagagens seria mais matutisse que fotografar desembarque de avião.

Depois de alguns minutos com os olhos atentos para identificar minha mala entre tantas parecidas, tento sair da sala de desembarque. Enfrento outra pequena multidão de cabeças chatas impedindo a passagem, porque estão esperando alguém e porque estão curiosos para bisbilhotar o desembarque. E finalmente encontro meu irmão, que me fala:
- Por que você comprou uma mala rosa? Pra que eu não nunca te peça emprestada?
- Eu garanto que não tinha pensado nisso. Em compensação posso emprestá-la para muitas amigas cearenses.

Pra finalizar, eu convido todos os amigos que visitarem a amada terrinha a passearem pelo comércio contando a quantidade de malas rosas à venda. Na pior das hipóteses alguem vai te chamar de alesado, e mesmo assim você vai adorar.

Nenhum comentário: