A essência da paz interior

Qual é a essência da paz interior?

Há muitas frases prontas e textos escritos por aí sugerindo que a paz interior é algo como uma sutil indiferença a tudo que não gostaríamos que nos afetasse. Algo como um distanciamento dos problemas do cotidiano, ou o poder de concentrar-se exclusivamente no presente, deixando que o amanhã se encarregue se si mesmo.

Não nego que o distanciamento do mundo externo tenha seu valor em determinadas circunstâncias, mas tomá-lo como lema em nossas vidas não é muito duro com nós mesmos? Muito focado no isolamento da alma do resto do mundo, negando seus próprios sentimentos e a integração com o ambiente que a cerca? Negando principalmente o seu papel como ator. Bernard Shaw disse que "O maior pecado que cometemos para com as outras criaturas não é odiá-las, mas ser indiferente a elas. Essa é a essência da falta de humanidade". Ignorar o que nos é desagradável também não é ser indiferente a nós mesmos?

Será então a disposição para dar amor ao próximo, sem esperar algo em troca? A compaixão e a paciência com nossos inimigos? A capacidade de relevar sobre qualquer circunstância? A humildade? A resignação? A temeridade?

Mas a prática apenas disto, e o distanciamento de nossas próprias necessidades, não nos colocaria muito próximos do desamor-próprio? Seria uma espécie de contra-egoísmo, onde o Eu está em ultimo lugar. Na teoria, muito bonito e digno de santos. Na prática, ainda muito difícil para nossas almas cheias de desejos e da necessidade de recompensas por nossos bons atos. Às vezes isso me parece uma necessidade de ser visto como coitadinho por Deus, e digno de piedade.

A sensação que tenho é que pessoas que levam essas idéias muito a sério estão quase sempre na iminência de ruírem. A fachada está nova e limpa, mas o interior parece cheio de remendos, e qualquer ventania pode derrubar um muro e pegar de surpresa um inquilino com as calcas na mão.

Cada vez mais acho que o caminho não é pelo exercício de algo específico (como distanciamento ou resignação), mas pelo não-exercício de algo:
Eximir-se da vaidade, sem confundi-la com amor-próprio, para não perdermos as oportunidades de nos melhorarmos.
Da auto-crítica excessiva, sem confundi-la com auto-analise, para não esquecermos das nossas qualidades e deixarmos de alimentá-las.
Do rancor e da inveja, para não nos contaminarmos com nosso próprio veneno.

Se isso vai trazer paz, eu não tenho idéia. Mas suponho que pelo menos nos previna de uma perfeição fantasiosa, e nos aproxima de uma imperfeição passível de melhoria.

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